Seguidamente vemos nos telejornais pessoas
sendo conduzidas presas de forma truculenta. Pior, muitas vezes são mulheres e
idosos que não oferecem resistência, tampouco qualquer risco de fuga ou de reação
contra os agentes que estão realizando a prisão. Pois bem, a maioria das
pessoas não sabe que o Supremo Tribunal Federal determinou que somente é lícito
o uso de algemas em casos de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros.
Pois as algemas deveriam ser utilizadas
somente em casos excepcionais e não como ocorre no Brasil, onde a primeira
coisa que os agentes fazem é indiscriminadamente algemar a pessoa. Ora, não
havendo periculosidade, isto é, não sendo o conduzido pessoa que represente
risco aos policiais e a terceiros e ao mesmo tempo não havendo condições ou
risco de fuga, o uso de algemas se mostra arbitrário. Nesse sentido determina a
Súmula Vinculante 11 do STF:
Súmula Vinculante
11
Só é lícito o uso
de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à
integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão
ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado.
Foram utilizados os seguintes precedentes para
a edição da Súmula Vinculante 11:
Em primeiro
lugar, levem em conta o princípio da não culpabilidade. É certo que foi
submetida ao veredicto dos jurados pessoa acusada da prática de crime doloso
contra a vida, mas que merecia tratamento devido aos humanos, aos que vivem
em um Estado Democrático de Direito. (...) Ora, estes preceitos — a
configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no
País — repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na
necessidade de lhe ser preservada a dignidade. Manter o acusado em audiência,
com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade,
significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não
bastasse a situação de todo degradante. O julgamento no Júri é procedido por
pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações do quadro verificado. A permanência
do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta
periculosidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, ficando os jurados
sugestionados. [HC 91.952, voto do rel. min. Marco Aurélio, P, j.
7-8-2008, DJE 241 de 19-12-2008.]
O uso legítimo
de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos
casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou
reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado
receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra
os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.
[HC 89.429, rel. min. Cármen Lúcia, 1ª T, j. 22-8-2006, DJ de 2-2-2007.]
● Necessidade
de justificativa por escrito pelo magistrado para o uso de algema em réu
preso
(...) a decisão
desvirtua a lógica da Súmula. Compreende que a infração que motiva a acusação
não afasta a periculosidade do agente, partindo da inconfessada premissa de
que o uso de algemas configura regra não afastada pelo caso concreto. Mas a
ótica da Súmula é inversa. E ótica vinculante! O fato de o réu encontrar-se
preso é absolutamente neutro, pois não se imagina que o uso de algemas seja
cogitado na hipótese de acusado que responde à acusação em liberdade.
À obviedade, ao exigir causa excepcionante, a Súmula não se contenta com
os requisitos da prisão, naturalmente presentes. Com efeito, é certo que as
impressões do Juiz da causa merecem prestígio e podem sustentar,
legitimamente, o uso de algemas. Não se admite, contudo, que mediante mero
jogo de palavras, calcado no singelo argumento de que não se comprovou a
inexistência de exceção, seja afastada a imperatividade da Súmula Vinculante.
Se a exceção não se confirmou, a regra merece aplicação, de modo que, a teor
do verbete, o ato judicial é nulo, com prejuízo dos posteriores.
[Rcl 22.557, rel. min. Edson Fachin, dec. monocrática, j. 14-12-2015, DJE 254 de 17-12-2015.]
No caso em
comento, o enunciado da Súmula Vinculante 11 assentou o entendimento de que a
utilização de algemas se revela medida excepcional, notadamente quando
envolver processos perante o Tribunal do Júri em que jurados poderiam ser
influenciados pelo fato de o acusado ter permanecido algemado no transcurso do
julgamento. Com efeito, a utilização das algemas somente se legitima em três
situações, a saber: (I) quando há fundado receio de fuga, (II) quando há
resistência à prisão ou (III) quando há risco à integridade física do próprio
acusado ou de terceiros (e.g., magistrados ou autoridades policiais).
Mais que isso, é dever do agente apresentar, posteriormente, por escrito, as
razões que o levaram a proceder à utilização das algemas. Do contrário,
haverá a responsabilização tanto do agente que efetuou a prisão (criminal,
cível e disciplinar) quanto do Estado, bem como a decretação de nulidade da
prisão e/ou dos atos processuais referentes à constrição ilegal da liberdade
ambulatorial do indivíduo. Ocorre que, in casu, a autoridade reclamada
(Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Americana/SP) apresentou extensa
fundamentação ao indeferir o pedido de relaxamento da prisão. Daí por que se
mostra infundada a pretensão dos reclamantes. [Rcl 12.511 MC, rel. min. Luiz Fux, dec.
monocrática, j. 16-10-2012, DJE 204 de 18-10-2012.]
A descrição dos
fatos corresponde ao conteúdo da ata de audiência. Assim, a magistrada de
primeiro grau indeferiu o pleito de retirada das algemas do reclamante e dos
outros sete acusados por motivo justificável — fundado receio de perigo à
integridade física alheia, ocasionada pelo alto número de réus e reduzida
quantidade de policiais que pudessem garantir a segurança para a realização
da audiência. Agregue-se o fato de que a peça inaugural acusatória indica a
possível periculosidade dos envolvidos, que se associaram para o cometimento
reiterado da conduta ilícita do art. 33 da Lei 11.343/2006 — tráfico interestadual de
entorpecentes. (...)Neste contexto, entendo que, naquele ato, fundamentada a
decisão que manteve as algemas dos envolvidos, não tendo o condão de
influenciar negativamente ou prejudicar a instrução do feito. (...) Portanto,
a situação presente nos autos não representa violação do enunciado a Súmula Vinculante 11. [Rcl 14.663, rel. min. Rosa Weber, dec.
monocrática, j. 19-10-2012, DJE 210 de 25-10-2012.]
O uso de algemas
durante audiência de instrução e julgamento pode ser determinado pelo
magistrado quando presentes, de maneira concreta, riscos à segurança do
acusado ou das pessoas ao ato presentes. (...) II— No caso em análise, a
decisão reclamada apresentou fundamentação idônea justificando a necessidade
do uso de algemas, o que não afronta à Súmula Vinculante 11.
[Rcl 9.468 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 24-3-2011, DJE 68 de 11-4-2011.]
● Necessidade
de justificação por escrito pela autoridade policial para o uso de algema em
cumprimento de mandado de prisão temporária
(...) nestes
autos os reclamantes insurgem-se contra ato praticado por policiais em
cumprimento ao mandado de prisão temporária decretado pelo Juízo da 2ª Vara Criminal
da Comarca de Betim/MG. (...) Destaco, também, que o Juízo da 2ª Vara
Criminal da Comarca de Betim/MG, ao decretar a prisão temporária dos
reclamantes, consignou que o mandado deveria ser cumprido “com as cautelas
previstas em lei, evitando qualquer abuso ou arbitrariedade por parte dos
seus cumpridores” (...). No caso, a utilização excepcional das algemas
foi devidamente justificada pela autoridade policial, nos termos exigidos
pela Súmula Vinculante 11. Ficou demonstrada a existência de
fundado perigo à integridade física dos conduzidos, de terceiros e dos
agentes policiais que realizaram a escolta. Ademais, como bem destacado pelo
MPF, “eventual nulidade decorrente do uso de algemas no cumprimento do
mandado não vicia a prisão processual”. [Rcl 8.409, rel. min. Gilmar Mendes, dec.
monocrática, j. 29-11-2010, DJE 234 de 3-12-2010.]
● Descabimento
de reclamação para prevenir uso de algemas
Nesse contexto, a leitura da inicial não permite identificar ato concreto passível de ser impugnado mediante reclamação, uma vez que a decisão do Juízo da 5ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Brasília/DF não desrespeitou o que definido por esta Corte na Súmula Vinculante 11. Ao indeferir o pedido da defesa, o juízo reclamado deixou o uso das algemas à discrição da autoridade policial responsável pela escolta do reclamante, conforme as circunstâncias e as necessidades do caso concreto. Cumpre ressaltar, nesse ponto, que a Súmula Vinculante 11 não aboliu o uso das algemas, mas pretendeu apenas evitar os abusos que, se comprovados, implicam a responsabilização penal e administrativa dos responsáveis. Dessa forma, considerando-se a natureza preventiva do pedido, veiculado contra ato futuro e incerto, não há falar em afronta à autoridade da Súmula Vinculante 11 desta Corte. [Rcl 14.434, rel. min. Ricardo Lewandowski, dec. monocrática, j. 28-8-2012, DJE 172 de 31-8-2012.]
● Impossibilidade
de reavaliação do fundamento de magistrado para o uso de algemas em habeas
corpus
A decisão
atacada levou em conta a existência de fundado perigo consubstanciado no
envolvimento dos acusados com facção criminosa, na deficiência da segurança
do Fórum e, ainda, no grande número de advogados e funcionários presentes à
sala de audiência. 5. O uso de algemas durante a audiência de instrução e
julgamento somente afronta o enunciado da Súmula Vinculante 11 quando impõe constrangimento
absolutamente desnecessário, o que não se verifica nos autos. 6. Não é
possível admitir-se, em sede de habeas corpus, qualquer dúvida a
respeito das questões de fato apontadas pela magistrada para determinar o uso
das algemas durante a realização das audiências. [HC 103.003, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T, j. 29-3-2011, DJE 162 de
24-8-2011.]
Verifico,
portanto, não haver, nos autos da presente reclamação, substrato fático ou
jurídico capaz de atrair a incidência do enunciado da Súmula Vinculante 11, visto que há, in casu,
justificativa idônea para o uso das algemas durante a realização da
audiência. Assim, não é possível admitir-se, em reclamação, qualquer dúvida a
respeito das questões de fato apontadas pelo magistrado para determinar o uso
das algemas durante a realização das audiências.
[Rcl 9.877, rel. min. Ellen Gracie, dec. monocrática, j. 11-6-2010, DJE 116 de 25-6-2010.]
● Necessidade
de comprovação de efetivo prejuízo à defesa em razão do uso injustificado de
algema
(...) é de
registrar-se, tal como assinalado pelo Ministério Público Federal em seu
douto parecer, que o uso injustificado de algemas em audiência, ainda que
impugnado em momento procedimentalmente adequado, traduziria causa de
nulidade meramente relativa, de modo que o seu eventual reconhecimento
exigiria a demonstração inequívoca, pelo interessado, de efetivo prejuízo à
defesa — o que não se evidenciou no caso —, pois não se declaram
nulidades processuais por mera presunção, consoante tem proclamado a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...). O entendimento ora referido
reafirma a doutrina segundo a qual a disciplina normativa das nulidades no
sistema jurídico brasileiro rege-se pelo princípio de que “Nenhum ato será
declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para
a defesa” (CPP/1941, art. 563 (...)). Esse postulado básico — pas
de nullité sans grief — tem por finalidade rejeitar o excesso de
formalismo, desde que a eventual preterição de determinada providência legal
não tenha causado prejuízo para qualquer das partes (...). [Rcl 16.292 AgR, voto do rel. min. Celso de Mello,
2ª T, j. 15-3-2016, DJE 80 de 26-4-2016.]
Quanto ao tema
atinente ao uso de algemas no interrogatório do paciente, não prospera a
irresignação do impetrante, uma vez que não há qualquer comprovação nos autos
de que o réu esteve algemado, bem como não houve a insurgência da defesa em
tempo hábil, restando a matéria preclusa. De qualquer modo, também não
ficou demonstrado prejuízo a defesa, bem como as situações físicas da sala de
audiências justificam, em tese, o uso de algemas. (...) Por fim, como já destacado,
o princípio pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo
concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista
para o ato, podendo ser ela tanto a de nulidade absoluta (...) quanto
relativa (...), pois “não se declara nulidade por mera presunção” (RHC 99.779, rel. min. Dias Toffoli, DJE de
13-9-2011). Esse princípio, corolário da natureza instrumental do processo,
exige a demonstração de prejuízo concreto pela parte que argui a mácula
(arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal (...), o que não se deu na
espécie. [HC 121.350, voto do rel. min. Luiz Fux, 1ª T, j.
13-5-2014, DJE 189 de 29-9-2014.]
● Uso
injustificado de algema em razão de ato não processual praticado por
autoridade policial
A leitura do
processo, especialmente do pronunciamento mediante o qual implementada a
segregação, revela a ausência de manifestação do juízo criminal acerca da
utilização das algemas. Embora evidenciado o emprego injustificado do
artefato, a providência decorreu de ato administrativo da autoridade
policial, situação não abarcada pelo verbete, no que alude à prática de ato
processual. As algemas foram utilizadas um dia após a prisão, quando o
reclamante já se encontrava na delegacia de polícia, tão somente no momento
da exibição dos presos à imprensa. Eventual responsabilização do Estado ou,
até mesmo, dos agentes envolvidos, decorrente dos fatos noticiados na
inicial, deve ser buscada na via apropriada. Descabe potencializar o alcance
da reclamação.
[Rcl 7.116, voto do rel. min. Marco Aurélio, 1ª T, j. 24-5-2016, DJE 135 de 29-6-2016.]
Data de
publicação do enunciado: DJe de 22-8-2008. Para informações adicionais, clique aqui. Para pesquisar menções a esta súmula no
banco de jurisprudência do STF, utilizando o nosso critério de pesquisa, clique aqui.
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Portanto, com base na Súmula Vinculante 11 do
STF, é necessário que sejam modificados os procedimentos atualmente adotados
pelos agentes policiais durante a realização das prisões, principalmente para a
condução de mulheres, idosos e pessoas que visivelmente não possuem condições de
resistir ou de tentar fugir à prisão, bem como não sejam periculolsas, com isso
preservando a dignidade da pessoa humana.
Sergio Luiz Teixeira Braz
OAB/RS 26.555
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